Nos corredores de um supermercado
Há alguns anos, ao andar pelos corredores de um supermercado, a minha angústia era ver a objetividade das pessoas com listas nas mãos batendo seus carrinhos em mim, era sentir a frieza dos repositores de alimentos que não me direcionavam nem um olhar, o desgosto da senhora que pesava minhas frutas, o descuidado com que o açougueiro trabalhava a carne que eu servia à minha família, a automaticidade com que se passavam os alimentos pela esteirinha-rolante e a urgência com que o ensacolador jogava tudo o que eu escolhia na tal sacolinha de plástico. Hoje a narrativa mudou, eu conto outra, que me angustia mais, mais pela angústia tão hipócrita que sentia. Hoje a dor é aguda e tem peso histórico. Me angustia ainda mais o fato do repositor de alimentos, da tal senhora que pesa as frutas, do açougueiro que trabalha a carne e do ensacolador, não poderem passear pelos corredores de um supermercado com a tranquilidade que eu ando. Eu tenho nojo da minha tranquilidade. Sinto vergonha do meu carrinho cheio e da minha lista com tantos adendos. Me angustia estar no super ou hiper mercado (ou qualquer outro adjetivo engrandecedor que estes possuam) e ser sufocada com tantas possibilidade que estão sendo vendidas como urgência, todas tão impessoais, tão etiquetadas. É tudo cheio de cor e brilho, disfarçando a dor e as cinzas que movem aquela indústria. É a vitrine do escândalo, da fome. É a anti-vida na vida do açougueiro que trabalha com a morte todos os dias. É o anti-brilho no olhar do repositor da maça falsamente envernizada, é o desconforto do confeiteiro que vê a massa do bolo assentar na forma com mais ajuste e conforto que o seu próprio acento no ônibus. É a questão do transgênico e da sacola plástica ser mais discutida do que a própria vida daquela mulher que pesa as frutas modificadas ou do que a condição daquele ensacolador. Meu carrinho está cheio de dor, eu coloco todo o peso do mundo na mesa do jantar e sirvo a minha família, que por sinal nem é lá mais tão unida.