Crônica da Banana Amarela
A mulher de meia idade que trabalha em minha casa chega todos os dias comendo uma banana amarela e justificando seu atraso em problemas que aconteceram com sua família. Um dia é o marido que nunca está presente em seus aniversários devido sua pesada carga de trabalho, o outro é sua mãe que está com alergia devido ao excessivo uso de produtos de limpeza, assim a justificativa se estende e a banana diminui.
Eu fico com vontade da banana que ela come enquanto fala, mas não comento nada e finjo não estar observando sua mastigação. Ouço o que ela me conta com um rosto sem expressão, quando a minha vontade é abraça-la, chama-la para se sentar e me contar as dificuldades detalhadamente junto a um chá que poderíamos tomar juntas, mas eu – hipócrita – sou produto da minha classe. As dificuldades dessa mulher não caberiam em uma conversa e sua barriga pede feijão.
Nos foi imposta uma relação vertical de patrão-empregado, e com isso tenho que manter uma expressão neutra e fingir que seus problemas não me dizem respeito. Essa mulher enxerga em mim uma pessoa que a fizeram acreditar que sou, uma patroa (que não sei ser), uma mulher sem preocupações tão legítimas quanto as que a fazem chegar atrasada no emprego comendo banana às pressas porque não almoçou.
Talvez eu seja mesmo essa mulher sem preocupações tão legitimas, mas eu tenho vontade daquela banana. Acontece que a história me colocou como vilã antes de eu ter tido a chance de não a ser, então eu tento me convencer de que não sou só a minha classe e também posso ser a mulher que come uma banana amarela. Às vezes percebo que ela tem raiva de mim e da banana que eu deixo estragar na fruteira, ela nem imagina que todo um mundo se desconcerta dentro de mim quando percebo a força que impulsiona essa mulher, que come a banana ainda verde para jamais estragar.
Muitas vezes, quando ela chega com a vassoura, eu tenho vontade de pedir para que ela se sente comigo para eu não almoçar sozinha. Ela nunca deixará a casa limpa, mas a relação trabalhista que nos foi imposta também nunca o foi. O serviço dela é péssimo, mas conversamos sobre os preços do horti-fruti que têm subido, ela me informa sobre a promoção do morango, me diz como aproveitar a casca do abacaxi e sempre sentamos juntas para organizarmos a geladeira. A verdade é que eu nem gosto de banana, mas tudo o que eu queria era que ela dividisse a dela comigo.