Com prazer, baumé
Antes de pensar no tema desse novo post aqui no ICKFD eu continuei ‘matutando’ sobre o nosso papo de açúcares, caldas e afins. Apesar de saber que muita gente já sanou as dúvidas com os textos, continuei me perguntando se não era possível esmiuçar mais sobre o assunto, que é vasto, curioso e cheio de ciência!
Foi então que resolvi falar um pouco sobre xaropes e os Srs. Brix e Baumé, amigos íntimos dos químicos e engenheiros de alimentos mas ainda de poucos confeiteiros que se baseiam nesses dois senhores para melhorar seus produtos.
A definição de xarope é simples: é uma mistura de um ou mais açúcares dissolvidos em água, normalmente com a adição de algum outro componente, como ácidos, corantes, aromas ou espessantes. São esses outros componentes que vão dar características tão próprias para cada tipo de xarope e vão definir sua função, específica para cada uso, como por exemplo dar cor na maioria das bebidas que consumimos.
O xarope mais simples é chamado de…Hummm… Bem… Xarope SIMPLES! Talvez o mais utilizado entre os confeiteiros, esse xarope é feito no que chamamos de Tant pour Tant, ou TPT; que significa partes iguais de açúcar e água. Essa é uma proporção básica, inicial – que vai depender muito do que você espera do seu xarope. O essencial aqui é saber que se você ultrapassar muito a proporção de 2:1 seu xarope corre o risco de cristalizar.
Em alguns casos, a adição de umas gotas de limão ajudam a prevenir a cristalização, especialmente quando a proporção de açúcar em relação à água é muito alta.
Mas xarope não é um produto apenas artificial [entenda que quando digo artificial, é porque ele é produzido através de adição de diversos produtos], ele também pode ser extraído naturalmente da natureza, como o mel. O mel é um xarope natural composto de alta porcentagem de frutose e glucose e possui características similares a outros tipos de xaropes que podemos produzir quimicamente, como o açúcar invertido. Além do mel, outros tipos de xaropes também naturais seriam o maple e malte, por exemplo.
O açúcar invertido difere do mel unicamente por conta do seu sabor, que é mais neutro em relação às tantas variedades aromáticas do mel. Esse xarope é produzido através da adição de ácido ao xarope de açúcar aquecido e essa combinação é suficiente para que ocorra uma hidrólise da molécula de sacarose, formada de frutose e glucose, liberando essas moléculas que agora, estão dissolvidas livremente na água contida nesse xarope.
O papel principal do açúcar invertido é por exemplo, manter produtos de panificação úmidos e macios por mais tempo. Também é responsável por evitar o ressecamento de coberturas, evita a formação de cristais grandes em sobremesas congeladas, mantendo-as cremosas enquanto congelam; e no chocolate, principalmente na tecnologia de recheios, mantem a atividade de água baixa – por tratar-se de um produto higroscópico – evitando assim sua migração para a casquinha de chocolate, podendo decorrer em problemas como sugar bloom, e, o melhor de tudo, mantendo o recheio cremoso por mais tempo.
O açúcar invertido é mais doce que o açúcar branco comum e escurece muito mais rapidamente. Ou seja, quando usado em produtos assados, a temperatura de forno deve ser pelo menos 15 graus menor do que a usualmente utilizada. Mesmo assim é aconselhável não substituir mais que 25% do açúcar contido na receita pelo açúcar invertido, pois poderá resultar m produtos excessivamente escuros, densos, melados e super adocicados.
Em alguns casos, como por exemplo bolos de massa branca, o que fazemos é utilizar um pouco de cremor de tártaro para diminuir o pH da mistura e controlar o escurecimento do produto. Mas mesmo assim, a quantidade utilizada do açúcar invertido ainda deve ser controlada!
Apesar do açúcar invertido ser comprado pronto, fabricado industrialmente, muitas vezes nós confeiteiros podemos produzi-lo sem nem ao menos saber que o estamos fazendo! Isso porque em todas as vezes que ao aquecer uma calda de açúcar com uma pequena quantidade de ácido tartárico é possível separar algumas moléculas de sacarose em frutose e glucose. E quanto mais aquecemos a mistura mais moléculas conseguimos separar, ajudando a reduzir o risco de cristalização dessa calda da mesma maneira que evitaríamos se adicionássemos o açúcar invertido.
Como o processo não pode ser controlado dentro de uma cozinha, o confeiteiro jamais saberá a quantidade de açúcar invertido produzido. Se aquecida durante um tempo excessivo podemos produzir um xarope que ao invés de manter os produtos úmidos e macios os deixará pegajosos e, caso aquecido por menos tempo que o necessário, os produtos se tornarão duros e secos.
Para finalizar nosso papo sobre o xarope invertido é importante saber, e provavelmente você já deve ter concluído que a propriedade do açúcar invertido é culpa das nossas moléculas de monossacarídeos – frutose e glucose, já que a frutose é uma molécula higroscópica, sendo responsável pelas características de maciez nos produtos e, ambas menores que a molécula de sacarose são capazes de diminuir a atividade de água em um produto e, por serem mais reativas, elas escurecem mais rapidamente que o açúcar comum.
Portanto, quando você ler em alguma receita a utilização do açúcar invertido, entenderá as reais razões de sua presença e evitará fazer substituições indesejáveis.
Já os Senhores Brix e Baumé são nossos amigos íntimos para controlarmos a textura dos xaropes. Como?
Por exemplo um xarope típico de glucose, ou xarope de milho, que contem usualmente 80% de sólidos e 20% de água, é um xarope classificado por 80° Brix, e em toda sua produção, controlaremos sua quantidade de sólidos pelo seu grau Brix. O Brix foi um cientista alemão, Adolf Brix, que criou essa escala para mensurar o índice de refração de uma solução, determinando a porcentagem de sólidos solúveis em xaropes e outros produtos, como suco de frutas, geleias, etc.
Assim como a temperatura pode ser medida em Celsius ou Fahrenheit, os sólidos podem ser medidos em Brix ou Baumé, nome de Antoine Baumé, cientista francês que criou a escala, familiar a muitos confeiteiros.
Tanto o Brix quando o Baumé só podem ser medidos através da utilização de um equipamento chamado hidrômetro que mede basicamente a densidade do xarope através da gravidade específica dos líquidos, ou seja, quanto mais denso o xarope, e por isso mais sólidos conterá, terá uma leitura mais alta do que os xaropes com mais quantidade de água, calculo esse elaborado através do princípio de Arquimedes, que estabelece que um corpo que cai em um fluido sobe com uma força igual ao peso desse fluido deslocado.
Utilizados de maneira extensa na indústria, cada fabricante possui um hidrômetro específico para sua medição, como os lactometros para medir a quantidade de gordura no leite, alcolímetro para controle do álcool em bebidas, etc.
O Brix/Baume também podem ser medidos pela utilização de um refratômetro, que apesar de ser um equipamento mais caro é mais preciso e rápido na medição, necessitando de menos produto em comparação ao hidrômetro para sua medição.
Para produzirmos produtos sempre similares e termos um melhor controle da atividade de água e da textura que desejamos é importante trabalharmos com os Senhores Brix e Baumé, garantindo assim produtos sempre perfeitos e clientes satisfeitos!
Com tanto conhecimento em nossa conversa, o melhor a se fazer agora é aprofundar no assunto, pesquisar em livros e compartilhar as dúvidas e descobertas – aqui embaixo nos comentários! Ficarei feliz em ajudar e em descobrir coisas novas com vocês! Nos vemos em nossa próxima conversa! Beijos e até!