Il Brigante – Paris
Foi assim. Num dia chuvoso, eu fiquei de encontrar um amigo numa pizzaria perto da casa dele no 18eme, no metrô Lamarck-Caulaincourt. Era uma pizzaria minúscula, que eu sempre passava na frente e vivia abarrotada de gente. E como pra comida eu sou total Maria vai com as outras, quando vejo um lugar lotado eu-preciso-comer-lá-também. Gente, nunca falha: se tá lotado, é bom (é… geralmente…).
Bom, combinamos de chegar cedo no lugar, porque ninguém nunca lembra de ligar pra lugar nenhum pra fazer reserva. Estava aquele toró em Paris. Desci as escadas de Lamarck e entrei de supetão, ensopada e descabelada na mini-pizzaria. O chefe, dois pizzaiolos e um barman estavam numa rodinha com uma bandeja de shots de alguma birita e no mesmo momento olharam pra mim. Eu fiz aquela cara de “desculpe interromper”, mas na hora me acolheram e me ofereceram um dos shots da bandeja. Todos disseram “Santé”, “Salut”, “Tchim”, e eu, pra conferir um toque de “exotismo” no brinde falei “Saúde!”. Claro que na hora, foi aquela comoção “BRASILEEEEEEEEIRA!”. Acontece que é bacana ser brasileiro em Paris.
Pra variar, a pizzaria estava lotada, todos os seus 20 lugares reservados, mas como eu sou brasileeeeeeeeira, dei aquele sorriso e fiz uma carinha de dó de “ai moço, mais eu já vim aqui 3 vezes e tá chovendo lá fora… não me bota na rua na chuva…”, e me arrumou dois lugares na ponta da mesa de alguém (!).
Tipo assim meu, eu sou paulista. E desculpaê, paulista conhece pizza. Paulista conhece muita coisa, mas pizza é o nosso “truc”, como dizem aqui. E achar uma pizza decente aqui em Paris, não é para os fracos. Francês é tão francês, que eles só conhecem macarrão cozido passado do ponto, risoto com creme de leite (traumatizante) e pizza congelada. Restaurante italiano é muito desaforo aqui. Não que faça aquela falta para eles, afinal, coisa boa pra comer aqui não é problema. Mas eu ainda sou paulista, meu. E eu quero minha pizza de sexta à noite.
Meu amigo estava atrasado, pra variar. Então eu sentei e fiquei observando um pouco o ambiente, italiano por excelência. O chefe, carcamano da Calábria, que também bota a mão na massa, cumprimentava todas as pessoas que chegavam na porta com um sorriso enorme e um “Buonasera!” e fazia questão de apertar a mão das pessoas ainda, a dele, toda enfarinhada. E voltava a fazer pizza. Na cara dos parisienses, aquele nojinho e estranhamento com um sorriso tão aberto. O local é pequeno, a cozinha é aberta e não tem vidro separando os pizzaiolos dos comensais, como estamos acostumados a ver em Sampa. Tipo, eles cantam, gritam e jogam farinha em todos os cantos. As garçonetes são duas italianas impacientes, que falam bem alto, com as mãos (pleonasmo, pleonasmo, pleonasmo) e com sotaque bem marcado. O barulho naquele espacinho era enlouquecedor. E eu achando tudo lindo e poético.
O amigo chega, ensopado, descabelado e de supetão, ignora o chefe e sua mão enfarinhada, e me manda “Por que é que temos que sentar aqui na ponta da mesa?”. Aquele mau-humor parisiense ordinário. A garçonete traz o cardápio: uma folha de sulfite amassada e manchada de vinho (eu ri), pedimos a pizza Roma, e uma taça de vinho da casa. Nota rápida: o “vinho da casa” aqui é sempre uma escolha meio duvidosa: pode ser muito bom, pode ser vinho de garrafão. A verdade é que ninguém se importa, é vinho. Ponto. E aqui é servido em copo de pingado (é muito amor!).
As pizzas são todas individuais e enormes e o amigo era muito copião pra me ajudar e pedir uma outra pizza pra eu escrever sobre aqui pra vocês. Copião, invejoso! Eu dei aquela olhada de ódio pra bixa, mas ele só me desprezou e reafirmou sua escolha. Eu nunca aguento comer minha pizza inteira sozinha, mas tudo bem, no máximo ia pedir pra embalar e levar pra casa.
E agora, a poesia: a pizza Roma tinha mozzarela, mas não aquela mozzarela cachorra, era “A” mozzarela. Presunto, mas não uma presuntadinha: presunto curado. Alcachofra, enorme, tenra. E um gorgonzola hiper suave, que não dominava a cena, simplesmente a completava. E tudo isso junto tinha um gostinho de paraíso, de infância, de comida-da-boa, de saudade de casa. Foram tantos sentimentos a cada mordida que rolou um olhinho cheio de lágrima. E a massa tão fina, mas tão fina que… Ai ai ai… comi uma pizza (tipo, uma grande, normal, paulista), sozinha, inteira e fiquei de olho na do amigo pra ver se ele ia comer tudo sozinho, pra tentar roubar. Quando acabou, fiquei com aquele sorriso meio débil na cara, de quem tinha ido até a Móoca ou Bixiga, dado um “Oi” pros amigos, e voltado.
Quando chegou a hora da sobremesa, pedi uma Pannacotta com calda de caramelo salgado, em homenagem a Dani (que é fã confessa de pannacottas), pois o 18eme era o seu bairro.
“E pro monsieur?”
“Eu também vou querer uma panna…”
Talitta: “Monsieur vai querer um tiramisù, s’il vous plaît”.
Novo olhar de desprezo. Mas dessa vez eu ganhei. E mandamos super bem, pois a Pannacota e o Tiramisù estavam deliciosos, e vinham em tamanho GGG, do tipo que você come, tá bom, tá muito bom isso, fica satisfeita, come mais um pouco e só para quando sente raiva de si mesma. Passada a crise de consciência, fica ainda aquele sorrisinho de satisfação e saudosismo e aquela vontade de dar mais uma raspadinha no prato pra ver se sai mais um pouquinho.
Na saída, o chefe vai até a porta te dar tchau, dizendo “Grazie mille! Ciao, bella!”.
E eu, muito emocionada com a experiência toda, respondi “Eeerrrr… Muchas gracias!”.
“En espagnol, Talitta? Mais, vraiment?”. (Em espanhol? Sério?).
Ai, desculpem… foi a emoção.
Ah, a mítica pizzaria é a seguinte:
Il Brigante
14 Rue de Ruisseau
75018, Paris
Tel: 0144927215 (pra quem quiser desafiar as garçonetes a atenderem o telefone…).