Qual vinho harmoniza com bolo mousse de sorvete
Pense na tentativa de escolher um prato que agrade a todos em um grupo onde temos, por exemplo, um vegano, um que só come carne e um chato para comer. Se você entendeu esta problemática, vai começar a compreender também o nível de desafio que eu encontrei para escolher o perfect match para a sobremesa que elegi para fechar com chave de ouro o jantar que fiz recentemente para dois casais de amigos.
Eu sabia, desde o momento em que escolhi o Bolo mousse de chocolate branco com sorvete, que a harmonização não era a tarefa mais fácil.
Aliás, se você vier à minha casa, vai ver que eu sou não enochata, mas detalhista. Gosto de ver que o que eu mastigo combina com o que eu bebo. E sou muito otimista: acredito que qualquer pessoa pode sentir a mesma explosão que eu quando uma bebida “fecha” perfeitamente com uma comida.
Isto faz de mim uma eterna apaixonada pela harmonização, pelo wine pairing, pelo accord met, enfim, pela bela combinação que diz “oi” às suas papilas gustativas e pede licença devagar para deslizar redondinho pela sua língua, ativando todas as terminações nervosas da sua boca até que um choque de prazer atinja o seu cérebro.
Sobremesa escolhida, vamos aos elementos que a compõem para entendermos essa ideia de conciliar “veganos, carnívoros e chatos”. É o quebra-cabeça da harmonização. As peças: uma sobremesa; três texturas; um vinho. Encaixar tudo: um desafio.
Bolo de limão.
Mousse de chocolate branco.
Sorvete de morango.
E o vinho?
Bolo de limão, doce e cítrico; mousse de chocolate branco, cremosa e pungente; sorvete de morango, toque de adstringência e acidez. Em suma, várias possibilidades.
Poderia optar por um licor, como um “limoncello”, um bom licor de amêndoas, ou mesmo um Grand Marnier, de tangerina, mas se o jantar inteiro foi regado a vinho, sigamos no mesmo universo.
Um dos princípios básicos para o sucesso da harmonização é ter sensibilidade para avaliar a intensidade dos sabores e, assim, combiná-los. Pensando nisso, me vieram logo à cabeça os vinhos doces.
Os vinhos tintos e brancos secos em geral brigam com os sabores doces e intensos da sobremesa. É instintivo: os sabores não devem se sobrepor, mas combinar, harmonizar! Esse raciocínio já reduz o nosso leque de escolhas, mas ele ainda segue aberto e nos oferece boas opções.
Pensei primeiro em um vinho fortificado. São aqueles aos quais se acrescenta aguardente vínica para elevar o teor alcoólico da bebida e permitir ao mesmo tempo que seu nível de açúcar natural continue alto. Meus olhos brilharam e salivei ao lembrar dos vinhos de gelo. E não me permiti dispensar a infalível categoria dos vinhos espumantes tradicionais, como o Prosecco.
Um pouco sobre cada um para montar o quebra-cabeça.
O Porto é o exemplo mais conhecido de vinho fortificado, mas não foi nele que pensei: ano passado, em viagem a Portugal, conheci o Moscatel de Setúbal, produzido a partir da uva moscatel, muito aromática e adocicada. O vinho é envelhecido em grandes barricas de carvalho, como estas aqui:
O estágio de dois anos em madeira dá ao vinho aromas que lembram flores, baunilha, mel, tâmaras e compotas. O doce frutado e floral harmoniza com o bolo de limão, enquanto a baunilha e o mel combinam divinamente com a mousse. Para arrematar, ainda cai superbem com as características do morango. Acordo incrível!
Meu coração balançou com este vinho de aromas e sabores pungentes que não se sobreporiam ou apagariam as características do doce e ficaria equilibrado com relação ao teor de açúcar.
E os clássicos late harvest, ou “vinhos de colheita tardia”?
Costumo dizer que não tenho vinhos preferidos. São como filhos: deve-se amar cada um do seu jeito. Mas confesso: estes danadinhos me conquistam com um simples gole. São vinhos cujas uvas são colhidas depois da época da colheita. No caso do Icewine, que pertence a esta categoria, além de ser depois, tem que ser quando as uvas já estão congeladas na videira, porque é o gelo que intensifica a concentração de açúcar no fruto.
Sua produção é restrita a poucos países, principalmente Canadá — o pioneiro — e Alemanha (onde se chama Eiswein), por ser necessário um clima muito frio para que as uvas congelem naturalmente no pé.
Estes vinhos apresentam características de acidez razoavelmente elevada, resultando em aromas frutados e frescos, como de pêssego, pêra, mel, frutas cítricas e figo, que vão muito bem com o cítrico do bolo, o doce cremoso da mousse e a adstringência e o frescor do sorvete de morango.
A boa notícia é que, em 2009, foi produzido o primeiro Icewine brasileiro, pela Cave Pericó, vinícola de São Joaquim, Santa Catarina. O vinho é elaborado a partir da casta cabernet sauvignon, e respeita o mesmo processo utilizado nos países produtores. Foi na safra de 2009 que foram obtidas as condições ideais para a colheita e vinificação destas uvas.
Agora, aquele que realmente é um coringa, é o italiano Prosecco. Originário do Veneto, tem teor alcóolico em torno de 11%. Bebida fresca, com aromas que lembram frutas como maçã, pêra, damasco e pêssego. Opção mais leve e menos doce do que os vinhos de sobremesa, com a vantagem de que, dependendo da entrada e do prato escolhidos, poderá ter acompanhado todo o seu jantar!
Estudados os três elementos principais do nosso bolo sorvetudo moussudo e feito o brainstorming de opções de harmonização, é hora da montagem do quebra-cabeça.
No final das contas, aliei o útil ao agradável: ano passado eu havia sido presenteada com Icewine da Cave Pericó, e andava curiosíssima a respeito. Dito e feito! Lembra daquela explosão que descrevi lá no início? Ela aconteceu! Os intensos aromas de compota de damasco e notas de baunilha atingiram o grau ideal de pungência para potencializar o sabor desta sobremesa. E ainda prestigiamos a coragem dos produtores brasileiros neste desafio. Grata surpresa!
Mas devo confessar: não resisti à garrafa de Moscatel de Setúbal 2011 da Bacalhôa que me olhava da adega. Todos toparam, e fizemos o teste: fantástico! Não atingiu as 5 estrelas do Icewine, mas foi quase. Igualmente recomendadíssimo, excelente combinação!
O quebra cabeça estava montado, colado e emoldurado, pronto para ser pendurado na parede de tão bem encaixado!
De qualquer modo, garanto que qualquer dos vinhos acima ficará delicioso! Siga também seu instinto, suas preferências, conveniência e custo benefício. Estas foram as minhas escolhas:
Icewine Pericó safra 2009 (15%) — Preço médio: R$ 200
Moscatel de Setúbal Bacalhôa safra 2011 (17,5%) — Preço médio: R$ 90
Prosecco Bottega II (11%) — Preço médio: R$ 62
Um beijo e à toute (até logo)!
Andréa Postiga