Bordeaux e Saint Nectaire
Os vinhos de Bordeaux são com certeza os mais copiados do mundo! Praticamente todas as demais regiōes produtoras de vinhos, tanto na Europa quanto fora dela, elaboram seus vinhos com castas (uvas) desta região. Bordeaux é uma região francesa bastante tradicional na elaboração de vinhos tintos de altíssima qualidade, sobretudo os tintos. São vinhos bastante robustos e elegantes e que geralmente podem ser guardados por bastante tempo antes de serem consumidos.
FOTOS: Danielle Noce – Instagram: @nocedanielle
Em Bordeaux os vinhos podem ser elaborados somente com algumas uvas específicas da região, que são: Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Carmenère, Petit Verdot e Malbec. Digo “somente” pois a elaboração de vinhos na França é algo bastante sério e todos os processos desde o plantio à escolha da “assemblage” (já explico!) são controlados por uma legislação bastante rígida.
Quem tiver costume de comprar vinhos em lojas ou supermercados com certeza reconheceu alguns dos nomes que eu mencionei acima. As uvas de Bordeaux se adaptaram muito bem a outras regiōes do mundo e algumas delas usam seus nomes como símbolo da viticultura nacional. Porém, em Bordeaux o mais tradicional é utilizar duas ou mais dessas uvas para compor o vinho, o que chamamos de “corte” ou “assemblage”. Obviamente, esses cortes conferem mais complexidade ao vinho! Uma vez eu escutei de um conhecido que “vinho de corte” era um produto inferior, que o produtor fazia uma mistureba esperta com o que ele não conseguiu usar num vinho varietal melhor. Frequentemente eu ouvia também de clientes “só bebo vinho de uma uva só”, também por acharem que era sempre um produto superior. Mas na verdade, existem excelentes vinhos de corte e excelentes vinhos varietais. Vai depender da procedência.
Todos os vinhos de Bordeaux são elaborados dessa forma. Alguns vinhos, como o grande Chateau Pétrus (que para nós, pobres mortais, custa o equivalente a um carro zéro, ou a entrada do financiamento de um apê de 30 metros quadrados na Caixa), leva quase que só Merlot, porém, sempre tem uma pequena porcentagem de Cabernet Franc. Dependendo de como foi a safra, o enólogo, aquele que faz o vinho, pode escolher colocar mais ou menos Cabernet Franc no Pétrus. Por exemplo, os vinhos da uva Malbec provenientes da Argentina são vinhos bastante conhecidos e apreciados pelos brasileiros, mas pouca gente sabe que essa uva não é argentina e sim francesa! No Chile, as uvas mais conhecidas e utilizadas são a Cabernet Sauvignon e Carmenère, também bordalesas mas geralmente trabalhadas como varietal. Aliás, chamam de “varietal” os vinhos elaborados somente com uma casta. No Uruguai, temos os famosos e super encorpados vinhos da uva Tannat e no Brasil estão falando que a uva Merlot é a que melhor se adaptou ao nosso “terroir”, mas honestamente eu acredito que existem já vinhos com outras uvas que também se adaptaram bem.
Mas este não é somente um produto de estudos de terroir, mas também uma jogada de marketing. Como eu mencionei anteriormente, na França (e em outros países europeus produtores de vinhos) existe a tradição das regiōes, todas muito bem definidas. Nos países do “Novo Mundo” onde não existiam tradiçōes vitivinícolas, criou-se a ideia de vinhos varietais que representariam a região e com o tempo esta se tornaria a tradição local.
Vocês já repararam que nos rótulos dos vinhos franceses não está escrito o nome das uvas que o compoem? Isso acontece justamente porque na França existe esta lesgislação que, resumindo (muito), diz que determinada região só pode elaborar seus vinhos com determinadas uvas, algo que começou como tradição e ao longos dos anos (séculos), precisou ser regulamentado para que os estilos não fossem indiscriminadamente copiados por produtores de um nível inferior e para que as regiōes não fossem descaracterizadas. Tudo isso é conhecido como AOC, ou Appelation d’Origine Controlée ou Apelação de Origem Controlada. Aqui na França essas regiōes de vinho são bastante tradicionais e fazem parte da história do povo francês e de seu cotidiano. Logo, os franceses estão habituados com os estilos e características dos vinhos. Para o consumidor comum aqui não importa muito quais são exatamente as uvas, quanto tempo o vinho passou em barrica de carvalho, mas importa mais a tradição e estilos de cada casa ou “maison”, em Bordeaux conhecidas mais como Chateau (castelo).
O vinho de hoje é o Chateau Puycarpin 2009, Bordeaux Supérieur, da comuna de Bèlves de Castillon que está próximo aos vinhedos de Saint Émilion, uma outra comuna bastante famosa de Bordeaux. O nosso vinho tem em sua composição 70% de Merlot e 30% Cabernet Sauvignon e faz estágio em barricas de carvalho francês por 12 meses. Este é um vinho mais encorpado e tânico, porém bastante equilibrado e só tem 12,5% de álcool. Seus aromas são de frutas vermelhas, algum chocolate e um aroma que eu acho bastante característico de vinhos bordaleses: couro! Uma delícia! Felizmente, este é um vinho que é facilmente encontrado no Brasil.
O queijo que eu escolhi para harmonizar foi o Saint Nectaire, um queijo da região de Auverne na França, feito com leite de vaca e ao pesquisar descobri que seria uma ótima harmonização com vinhos de Bordeaux. Tem sido muito engraçado escolher queijos por aqui! Eu sempre vou na mesma loja, aqui chamada de fromagerie, e admito que tenho uma certa tendência a escolher os queijos mais estranhos, fedidos e mofados! O Saint Nectaire porém parecia um queijo bastante inofensível. A carinha dele é a de um queijo Brie, com aquela casca bem fina e branquinha e o interior é bem macio. Eu comprei este queijo e ele acabou ficando guardado na geladeira, o que não é um problema. Os franceses dizem que quanto mais antigo o queijo, melhor. Bom, tudo bem né?! É… Quando eu tirei o queijo do papel que ele veio embrulhado, ele estava com a casca bem cinza. Eu disse CINZA! E ficou todo mundo com aquela cara de “como proceder…”. Como não existe um parâmetro para saber se o queijo está estragado ou não, porque aqui cheiro ruim e mofo não querem dizer nada, a Dani, o Paulo e eu degustamos-o. Sinceramente, ninguém virou fã. Bom, o Paulo achou que estava bom (mas as vezes eu acho que ele fica sem graça de falar que a verdade é que eu tive uma escolha infeliz) e a Dani concordou comigo que o queijo não está na nossa lista dos melhores. Achei ele sem graça, sem personalidade, sem aquela pegada mais ácida dos queijos de cabra ou aquela explosão de sabores dos outros queijos que eu já comi aqui.
Mas enfim, não deu nem dor de barriga e estamos todos vivos pra contar a história! Bom final de semana para todos!