Quem veio primeiro, o bolo ou ovo?
Às vezes sou pega me perguntando se as pessoas compreendem a importância dos ovos. Na minha confeitaria, a All about cakes, uso mais de 100 ovos por semana, e então sei que devo muito às granjas, galinhas e criadores por esse Brasil afora [eu e todos os chefs do mundo! ;)] Com ovos podemos fazer tantas preparações, doces ou salgadas, que existem N publicações gastronômicas sobre o assunto. A minha favorita, do Michael Roux, ensina didaticamente como chegar no ponto cremoso da melhor omelete da sua vida e a usar os ovos no máximo de sua potência! Vale a leitura. Além disso, você sabia que cada dobra do toc du chef significa uma maneira de preparar ovos?
Pois é… Portanto, se você tem a honra de usar um chapéu de chef, é melhor que saiba preparar seus ovos com perfeição! Mas como bem sabemos, estou aqui para esmiuçar as características fascinantes dos ovos e fazê-los compreender melhor toda a importância da história da galinha [aquela fatídica pergunta do quem veio primeiro] em nossa vida na cozinha, e principalmente na confeitaria. O ovo é responsável por unir todos os ingredientes em uma massa, é o principal protagonista de um suflê estonteante, tem um poder espessante importante para cremes da confeitaria, as famosas custards e, diga-se de passagem, quando sozinho em um prato, com um pouco de azeite, sal e orégano, faz muito bem seu papel delicioso. Tanta ‘bacaneza’ tem uma razão – sua composição química! O ovo é o óvulo de uma ave que pode ou não ser fecundado, cujo objetivo é, como bem sabemos, acomodar o embrião e prover alimento e água para que ocorra seu desenvolvimento.
Para nós o ovo é um alimento lotado de nutrientes, da casca ao seu interior, além de possuir propriedades físicas que nos beneficiam mais ainda. Começando pela casca, rica em cálcio [quem nunca adubou a terra das plantinhas com casquinha de ovo?], ela é responsável por proteger a clara e a gema [óbvio, não?] permitindo passagem de ar através de sua micro porosidade [não se preocupe com os líquidos, a casca é impermeável!] . Essa porosidade permite que o ovo absorva odores e cores. Quando lavamos os ovos para colocá-los na geladeira, o que acontece é que retiramos uma proteção superficial da casca, correndo o risco de que seus poros fiquem mais sujeitos à contaminação externa. Logo, lavar os ovos além de diminuir seu tempo de validade aumenta os riscos de contaminação. Lave-os apenas quando for utilizá-los, caso contrário, você estará correndo mais riscos com eles limpos do que se deixá-los “sujos”.
A clara, por sua vez, responsável por fornecer água para o embrião – já que é formada por 85% de água e 15% de proteína [a albumina], é a proteção da gema, que por sua vez é o alimento do embrião, rica em proteínas, gorduras [35% da gema é gordura – por isso sua característica cremosa] e lecitina, um emulsificante natural, responsável por exemplo, pela estabilidade da maionese. Um papel muito importante dos ovos na confeitaria é a utilização não só das gemas, como já falei anteriormente, mas das claras; as famosas claras em neve! E é sobre elas que quero falar! Uma das magníficas propriedades da clara do ovo, por conta da albumina, é a capacidade de absorver ar. Quando batemos as claras na batedeira, ou manualmente, seja com um batedor de arame [fouet] seja com um garfo, dois garfos, três garfos, o que forrrrr! – agregamos ar à proteína.
No início é fácil perceber a formação de bolhas de ar grandes que vão diminuindo conforme o volume das claras aumentam. Essa capacidade de absorção de ar é culpa total da proteína da clara, que, como um fio de cabelo vai se enrolando e capturando o ar que o batedor impulsiona para seu interior, fazendo com que seu volume aumente em até três vezes ao volume inicial. Quanto mais tempo batemos as claras mais estável a mistura fica pois as bolhas se tornarão tão pequenas a ponto de suportar inclusive o peso de um ovo sobre as mesmas – exatamente como as nuvens suportam os anjos [romântico, né?] Porém, bater muito não significa ligar a batedeira e sair telefonando para a tia para fofocar! Quanto mais batemos as claras mais desestabilizamos suas proteínas, fazendo com que, em excesso, ela se rompa e libere não só o ar que buscávamos incorporar, mas rompendo a proteína transformando-a novamente em clara líquida.
Um dos grandes problemas que percebo, das pessoas que têm um pouco de dificuldade em lidar com a produção de bolos é exatamente no momento de bater as claras. Isso porque se a tigela, o batedor ou qualquer utensílio que esteja em contato com a clara estiver gorduroso ou sujo, sua clara não vai conseguir agregar o ar necessário, e seu bolo perderá um pouco do volume que poderia adquirir. Portanto, é importante sempre utilizar vasilhas limpas e evitar qualquer contaminação das claras com gema, senão, o que nos resta a fazer é uma omelete bem suculenta, com bastante salsinha e almoçar feliz da vida!