Crônica da Amora
Naquela tarde os raios de sol fitavam as nuvens e sua luminosidade estourava a vista. Luciana, mãe da pequena Ana, que nunca tinha provado uma amora, perdera a razão que nunca quis ter. Ela era mãe de primeira viagem, encantada com a maternidade, quis que a filha entendesse desde cedo a natureza, as flores, as cores e as frutas. Levou a pequena perto do lago da fazenda de sua avó, onde tinha um pé de amoras que lembrava Luciana sua infância. Eram centenas de pontinhos vermelhos e roxos espalhados dentre galhos e folhas verdes, era a celebração daquela tarde que o sol sorria para a união e entrega das duas.
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A mãe e a filha ficaram descalças, algumas formigas picaram seus pés. Luciana tirou os pés da criança em contato com a grama verde e colocou desamor pelas formigas no coração de sua filha. Nada que estragasse a curiosidade de uma pequena atenta à vida e aos sabores. A filha colheu quantas quis do pé, mas quando levou a primeira amora em direção à boca a mãe, assustada, censurou. Luciana censurava não só uma amora, mas a existência de um desejo intrínseco à infância, a curiosidade pelo sabor, aroma e textura que agora ressoava como proibição no coração da pequena Ana. O que tem de bucólico em uma amora, se não comê-la do pé? A pretensa mãe só não era tão malévola porque era ingênua.
Chegou em casa com a cesta cheia e a criança vazia. Nesse momento Ana já estava cansada, fez bico como qualquer outra criança faria. Frustrada com a experiência a criança chorou. Com o desespero do choro da filha e na ânsia de facilitar seu primeiro contato com a fruta, Luciana fez o suco das amoras colhidas com açúcar e sem afeto. Tirou de sua filha, tão cedo, o direito de entender não só as frutas, mas a beleza torta da natureza e a perfeição que existe na imperfeição de tudo que é vivo. O suco que ofereceu a sua filha, mesmo sendo da fruta, era uma experiência triste e morta. Ana levaria para si a falsa doçura das coisas findas e não o verdadeiro azedume inerente à vida.