Fala, chef! – Carolina Garofani da Caramelodrama
Carolina Garofani trouxe à Curitiba um novo estilo de confeitaria. A Caramelodrama, inaugurada no fim de Abril, tem tudo o que um bom apreciador de sobremesas preza: ambiente acolhedor e doces de primeira qualidade, para começar. De italiana, a confeiteira já tinha sobrenome e persistência; para fechar o pacote, diploma do Corso Superiore di Pasticceria na ALMA, uma das melhores escolas de confeitaria na Europa. Em 2011, ela largou o trabalho de designer e tradutora trilíngue para passar um ano em Parma, na Itália, aprendendo as teorias, técnicas e “como-fazer” de todos os doces que você pode imaginar.
Doces! Nem a própria Carol poderia imaginar que uma súbita vontade de comer cupcake traria à tona um novo dom, afinal, nunca fora a filha que cozinhava e não caía de amores por qualquer sobremesa. Numa época em que cupcake era coisa que só se encontrava fora do Brasil, ela achou um site e não pensou duas vezes em comprar forminhas e todos os utensílios necessários para começar a aventura. Deu certo. Em 2010, enquanto trabalhava em dois empregos – além das traduções inglês/português/italiano -, cursava Pâtisserie no Centro Europeu e cuidava do blog de receitas e confeitaria, Carol assou 4 mil cupcakes, sozinha, para encomendas.
A Regina del Caramello (rainha do caramelo), como era conhecida na ALMA, voltou da Itália com todo o gás para abrir uma confeitaria como deve ser (clique aqui para ler o post sobre a Caramelodrama). O ICKFD conversou com a Carol sobre os desafios de fazer bons doces no Brasil, memórias de infância e polêmicas como não gostar de chocolate quando se é confeiteira. Confira:
foto: Ricardo Perini
I Could Kill For Dessert: Você já tinha feito um curso de confeitaria aqui no Brasil, mas qual foi a sensação de estudar na Itália?
Carolina Garofani: Foi um choque, porque eu cheguei lá achando que eu sabia tudo e eu descobri que eu não sabia absolutamente nada. A confeitaria é muito mais do que mão. A gente fala que “tem que ter a mão”, mas a confeitaria é física e química, e a ALMA me ensinou isso. A gente tinha aula com professores de física e química da Universidade de Parma e nossas provas eram todas teóricas. Por exemplo: 30 perguntas abertas sobre chocolate, 30 perguntas sobre mousses e cremes e mais 30 sobre fermentação. Não acho que poderia ter escolhido uma escola melhor.
ICKFD: Como a confeitaria italiana pode ser definida, em comparação com a francesa?
Carol: A confeitaria italiana é muito feita de biscoiteria, de muita coisa seca porque a Itália passou por uma crise grande depois da Segunda Guerra. Ninguém tinha dinheiro para mais nada, além do que os insumos eram muito difíceis de encontrar. Você não conseguia fazer com que o “tiozinho” da cidade vizinha trouxesse o creme de leite, porque ele tinha as vacas mas não tinha carro, e nem você. Então a confeitaria se tornou mais seca, com farinha-ovo-manteiga como matérias-primas e muitas frutas secas. A francesa, por outro lado, é feita de cremes e coisas que escorrem, é feita de caramelo. Hoje em dia já as duas se misturaram em muita coisa; a confeitaria italiana ainda é mais seca, muito peculiar de cada cidadezinha de lá, mas os italianos perceberam o valor dos cremes. Mesmo assim, não abrem mão de certos valores.
ICKFD: Quais valores?
Carol: Um bolo nunca pode ter mais do que 5cm. Nunca, eles acham horrível. Aqui eu preciso abrir mão disso porque no Brasil a gente gosta de coisas maiores, né?
ICKFD: Você acha que as pessoas estão mais conscientes com relação à qualidade dos produtos, preocupadas em comer melhor?
Carol: Tem acontecido, as pessoas perguntam. Uma pessoa veio aqui hoje e perguntou se tinha espessante nos cremes, por exemplo. A gente não usa nada disso, nada de conservante, melhorador de farinha e eu faço questão de dizer. As pessoas têm o direito de saber o que elas estão comendo e infelizmente aqui (em Curitiba) é muito fácil de comprar coisa pronta. Você compra o Mix de creme de confeiteiro, o Mix de sei lá o que, e tudo vem com um monte de porcaria dentro, um monte gordura hidrogenada. E tem gente muito grande e muito famosa aqui que vende tudo feito com margarina, então eu faço questão de dizer: prestem atenção no que vocês estão comendo, leiam os ingredientes das coisas. Procurem saber o que todas aquelas siglas nos rótulos significam, porque isso vocês estão dando para os filhos de vocês. Aqui eu faço questão de dizer que não tem nada disso. A gente faz tudo do zero. Massa de cheesecake? A gente faz a bolacha. Nossas ervas, uso o que eu consigo de orgânico. Café, o melhor que a gente pode ter.
ICKFD: Essa é uma forma de mostrar ao público que é possível comer doces de qualidade e a Caramelodrama está fazendo isso, né?
Carol: Um dos escopos da Caramelodrama é a educação. Nem tudo precisa de leite condensado, o paladar pode abrir muito mais do que isso, a gente pode comer bons doces. Afinal, ninguém precisa de doce pra viver. Na hora que você entra nessa porta você já chutou o balde, você está dentro de uma confeitaria, desculpa, você vai engordar. Então se você vai comer doce, que ele seja o melhor que você pode comer! Engorde por qualidade, pelo menos.
ICKFD: E como são os produtos da Caramelodrama? Você foca mais na confeitaria tradicional italiana ou também faz “doces de vó”, como bolos caseiros?
Carol: É um meio termo. As massas dos bolos são massas simples, pão de ló, mas a Caramelodrama é italiana, então as bases são italianas. Eu não vou ter bolo de cenoura ou bolo de coco porque na Itália não se usa coco. A linha é italiana com um pouco de francesa, então os nossos doces são elaborados embora eu não tenha cinco recheios dentro de um bolo, tenho dois. E, claro, uma cobertura que harmoniza. Não tem bagunça de sabor.
fotos: Marina Mori/Juliano Lamur
ICKFD: Falando em nomes, agora. Por que Caramelodrama?
Carol: Caramelodrama era o nome de uma papelaria que não foi a muitos lugares. O meu blog tinha outro nome, mas descobri que existe uma confeitaria em São Paulo com um nome muito parecido, cuja chef se chama Caroline, aí achei meio chato. Resolvi mudar e fiz uma enquete no blog para escolher um novo nome, e Caramelodrama ganhou em disparado, com 80% dos votos. Eu já sabia que ia dar isso, mas sabe como é, tinha que fazer na democracia.
ICKFD: Com relação ao dia-a-dia, como é a sua rotina de confeiteira?
Carol: Como meus fornecedores ainda não estão bem redondinhos, eu geralmente passo no Mercado Municipal e nos fornecedores ali daquela região antes de vir pra cá, às 7h45. Eu já tenho uma lista que a gente faz no dia anterior do que está faltando e vou conversando com a Roberta, meu braço direito, que chega na confeitaria às 8h. Chego com as compras e vamos para a cozinha terminar algumas decorações para encher a vitrine. Eu passo a manhã na cozinha, às 10h a gente abre a loja e, quando o movimento está tranquilo, consigo ficar um pouco no salão com os clientes. Almoço em cinco minutos, de pé, lá por 13h30. À tarde a gente fica repondo o que está em falta na vitrine e fazendo estoque de bolos, carolinas, biscoito. E às 18h40 a gente começa a desacelerar o salão porque fechamos às 19h…
ICKFD: A Caramelodrama está crescendo bastante e mal inaugurou! Quais são as suas expectativas para o futuro?
Carol: Sinceramente? Eu quero ter 30 caramelodramas em 10 anos, porque eu realmente acredito no que eu faço e acho que as pessoas podem aprender a comer bem. Se eu puder levar isso para outros lugares vai ser bom, só não quero perder essa mão do artesanal. Eu precisaria de uns 30 clones.
ICKFD: Quais as suas memórias de doces de infância?
Carol: Minhas lembranças de infância são de salgados, nunca tinha pensado nisso. São imagens de eu fazendo massa de macarrão com a minha avó, limpando folhinha de manjericão para fazer pesto com o meu pai, do meu avô me ensinando a assar costela enquanto bebia cerveja e discursava sobre tudo… Da língua de boi descongelando em cima da pia e da sensação de passar o dedo naquela textura diferente… Minhas lembranças são de salgados.
ICKFD: Passando dos salgados para a sobremesa, a pergunta não poderia faltar: qual é o seu doce preferido?
Carol: Eu não sou muito de comer doce, é muito difícil. Não gosto de chocolate, não somos bons amigos. “Em casa de ferreiro o espeto é de pau”, né? Eu só como os meus doces, mas quase nada com exceção do cheesecake, porque ele me assombra e fica me chamando na geladeira. Ele sabe que eu estou aqui e fica lá me provocando. E, claro, o caramelo. Só de fazer o caramelo me dá uma coisa boa, o cheiro dele na panela me faz sorrir.