A sanidade é uma loucura
Era um dia quente, seco e cinza. Havia sido uma manhã boba, de pijama e de ramela no olho. Consequência de uma madrugada de insônia, leitura e aflições. Não havia sido dias bons e não se via motivo para arrumar o cabelo. Mas já passara a manhã inteira na cama e agora era hora do almoço, hora de pentear o cabelo e de fazer o que deveria ser feito.
Giovana não podia entender como conseguiria ser o que não lhe parecia genuíno, mas ela tinha que acordar e tinha que comer. Se remoendo na cama, preferiu levantar em um pulo só. Sentiu tontura, fraqueza mas censurou a si mesma dizendo: “Giovana, seja drástica como a vida. Levante!” A sanidade é uma loucura. Era hora de comer, mas ela não conseguiria.
Não conseguiu comer o ovo produzido de forma industrial, resultado de uma manipulação genética das galinhas que foram, por sua vez, chocadas em incubadoras e amontoadas em pavilhões, sofrendo uma curta vida miserável. Leu sobre os suínos, os bovinos e também não tinha como ser negligente à realidade, atormentadora, de suas vidas proibitivas e nem ao pesadelo dos matadouros que ressoavam em sua cabeça.
Ela não poderia mais comer animais e nenhum de seus derivados. Assim o fez por muito tempo. Passou a mergulhar no mundo dos vegetais. Ficou confusa. Agrotóxicos, pesticidas, praguicidas, biocidas, desinfetantes, agroquímicos e tantas outras substâncias responsáveis por matar insetos, fungos, bactérias, moluscos, roedores. A essa altura já se questionava se a realidade da indústria pecuária era muito diferente da agrícola.
Entre hormônios, agrotóxicos, alimentos geneticamente modificados e a indústria colorizando e conservando deliberadamente tudo, Giovana não conseguiu mais comer. Travou. Ficou frágil e a cada dia mais doente. Tentou plantar, colher, mas a realidade da cidade em que vivia era outra. Era uma metrópole e Giovana precisava sobreviver em todos os sentidos. Foi épico. Foi contra a lei natural. Ela preferiu morrer do que matar. A sanidade é mesmo uma loucura.
foto: Edmée