Crônica da Maçã
Marina era pequena, mas audaciosa. Queria entender da vida e falar das coisas da mente como se falava do tempo. Sabia que a alma era como flores, que floriam em determinadas épocas e que em outras era preciso morrer. Ainda não era primavera para Marina. Depois de alguns anos, voltou ao seu psicólogo, mais cheia de ideias do que antes. Falou o quanto pode e disse mais do que planejou. Saiu tonta e fragilizada. Marina se sensibilizou com o universo vivido em uma sessão de terapia. Seu corpo e sua mente adoeceram.
Ela ficou confusa, odiou não ter controle do que sentia, desconfiou do mistério da figura de seu psicólogo e quis saber mais do que deveria. Ignorância é uma benção para os que querem viver no escuro. Marina quis abrir a janela, mas a claridade a cegou. Ela ficou de cama. Estudou tudo o que pode sobre o inconsciente, foi buscar sobre os traumas e quis até entender o ato falho. Leu sobre a repetição, sobre o significado dos gestos, dos instintos, dos impulsos e sobre o amor de transferência. Ela sentia tudo o que lia, pensou sofrer de todos os sintomas que existiam e tinha certeza de que já havia tido consciência de seu inconsciente.
Marina quis morder o fruto proibido. Apaixonou-se pela figura misteriosa de seu psicólogo. Enlouqueceu, se censurou e se proibiu. Mas a proibição é tentadora, e a tentação é uma benção. Marina queria a maçã vermelha. E que mal tinha em querê-la? Mas o amor não era o amor, era a possibilidade para a libertação. O sofrimento precede a primavera. Ela precisava florir, renascer e ressignifcar sua existência.
Seu psicólogo respondeu com o silêncio, deu-lhe a falta, e a falta fez com que Marina repensasse sobre os seus desejos. O amor que Marina sentira era o amor direcionado ao saber. O psicólogo exercia uma função de suposto-saber, mas o saber sobre si estava nela, e só poderia entender quando conseguisse conviver com a falta. Marina não pode comer a maçã, nem abocanhá-la como desejou, nem sentir seu suco doce escorrendo pelas laterais da boca. A macieira dá flores na primavera e frutos no outono. Era tempo de primavera.