Crônica da melancia
“O que é felicidade, mãe?”, perguntou a filha. A mãe, como de costume, não respondeu e continuou arrumando a mesa do jantar. Com um pano umedecido espalhou um produto cheirando à lavanda no vidro que cobria a mesa de madeira da sala. Passou com o ferro três das quatro toalhas que compunham o jogo americano. Colocou sobre as toalhas os pratos brancos, os talheres que há pouco lustrara com álcool e ajeitou com zelo o guardanapo de pano azul marinho. Pegou a bolsa e em direção ao elevador disse à filha: “Vamos!”. A filha perguntou aonde iriam. Ela não respondeu.
Chegando na floricultura, a filha se encantou com as rosas brancas e a mãe deixou que ela escolhesse as de seu gosto. No supermercado escolheram juntas as folhas verdes mais vistosas, o queijo mais maduro, e o vinho de melhor safra. No caixa a filha lembrou, com um susto, que se esquecera da melancia. Incentivada pela mãe, a filha foi correndo buscar a mais doce. De volta ao lar, as duas preparavam com carinho o jantar. Colocaram as rosas no centro, a salada de folhas em um recipiente de vidro, os queijos ajeitados na tábua. Tinham duas taças e um copo de suco de melancia.
A campainha tocou duas vezes, a neta abriu a porta, o avô abraçou a pequena e, como surpresa, lhe entregou uma melancia. A neta comemorou de forma espontânea e disse que teria que guardá-la, pois também já havia comprado uma melancia para o jantar. A mãe, agora filha, recebeu o pai com um sorriso discreto no rosto e uma felicidade controlada. A luminária da sala de jantar era fraca e por vezes fazia sombras inusitadas, a neta achava graça e observava tudo enquanto bebia com seu canudinho vermelho o suco. O avô e a filha brindavam a melhor safra.
Era mais um domingo em que a pequena bebia com alegria e entusiasmo seu suco de melancia, bebia toda vez como se fosse a primeira. Alguns domingos como esse se passaram, com a melhor safra e a melancia mais doce. Então a campainha tocou, só que só uma vez. Não era o avô, era a notícia de que ele nunca mais estaria na mesa de jantar. Esse dia não teve o jantar nem o suco de melancia. A neta ainda não sabia o que era felicidade, mas já provava da tristeza. Essa noite só teve suco de abacaxi e ela não reclamou.