Crônica do chocolate e do prazer
Como uma pintora em sua oficina, Ana pintava tudo quanto podia, só que pintava com aromas e prazeres os seus chocolates tão cheios de histórias e mistério. Era uma artesã, mas que havia estudado, sob todas as coisas, o prazer. Muito condenou-se sobre sua sensualidade. Alguns acreditavam que era bruxaria, outros, coisa pior. Mas a sedutora Ana só fazia uso de duas armas: chocolate e prazer. O que podem, duas coisas tão terrestres, fazer a pessoas do bem? Perguntavam-se os vizinhos, mas ainda muito inseguros sobre a resposta.
Ana derretia lentamente o seu chocolate em aproximados 50 graus, em uma tigela sobreposta à uma panela que continha água com pequenas bolhas efervescentes. Durante o banho-maria os aromas pareciam enfeitiçar não só sua cozinha, mas a vizinhança, que apesar de censurar com as palavras, já se ludibriava com o ritual que aconteceria. As narinas que passeavam pelas ruas enchiam o peito de alegria, só de serem seduzidos por aqueles perfumes que espalhavam-se tímidos, mas presentes. Em sua pequena oficina de chocolates havia uma vitrine, onde a temperagem do chocolate era feita todos os dias às cinco horas da tarde.
O seu pequeno espetáculo começava quando despejava toda a densa massa derretida, que descia dançando em direção ao mármore gelado, e começava a massageá-la. O chocolate, por uma das espátulas, era espalhado sob a superfície de trabalho, com a outra, trazia-se a massa já espalhada, em direção ao centro. Essa massagem, que acontecia com certo ritmo, durava até o instante em que aquela untuosa massa chegava na temperatura aproximada de 30 graus. A partir daí o mundo era de Ana. Tudo quanto podia fazer, fazia. Entre diversos bombons o de chocolate com especiarias da casa lhe rendia a maior fama.
Apesar das pessoas acharem que os quitutes de Ana conquistavam qualquer um que fosse, ela só conquistava quem queria. Ana, a mulher de meia idade, apesar de muito confiante, às vezes indagava a sua própria certeza de não querer se casar. Estava certa de que nenhuma outra pessoa poderia lhe proporcionar tanto prazer quanto os chocolates. A solidão foi o caminho que encontrou para aproximar-se dos doces. O prazer que sentia era absoluto, não só com seus irresistíveis bombons, mas com o próprio acontecimento de fazê-los.
Agora, no meio de suas incertezas, a campainha tocou. Era tarde da noite. Com um laço vermelho amarrado em uma caixa escura, entregou mais uma encomenda que continha mais do que bombons. Apesar dos palpites que circulavam pela vizinhança, ninguém podia afirmar, ao certo, o que continha de tão afrodisíaco naqueles chocolates. Era o prazer depositado por Ana que causava tanta euforia a quem comia. Ela, solteira, não imaginou que seu prazer lhe criaria laços com outros tantos.