Crônica do pão e da tradição
Não era apenas o fato dele ser o melhor pão do mundo, era o pão da minha avó. E não era só o pão, era todo o mistério em torno dele que me intrigava quando criança. Ela me contava histórias desde o cultivo do trigo à descoberta da fermentação, sobre como os primeiros pães eram trabalhados, moldados e assados. Uma aula sobre a fabulosa e milenar tríade base: farinha de trigo, água e sal.
Os densos pães de minha avó refletiam um tanto de sua personalidade, tão cheios de segredos e truques que só ela parecia saber. O universo se abria dentro de sua cozinha quando eu a observava se deleitar dentre os pães. Com movimentos certeiros minha avó sovava as massas elásticas, acrescentava em alguns pães gordura, em outros especiarias inusitadas.
Sua sabedoria parecia ser depositada, com tanto cuidado, em cada pão que fazia. Modelando-os, ela me dizia: “Cecília, o pão é um tradição. Você deve ter muito compromisso na hora de prepará-lo.”. Eu, ainda bem pequena, não entendia o peso histórico dos pães, mas desde cedo cresci entendendo que era coisa séria.
Com uma umidade ideal, algumas tardes se faziam mais especiais que as outras. Minha avó as comemorava, religiosamente, indo para a cozinha quando o clima estava a seu favor. Ela, em seu pequeno forno a lenha, trabalhava incessantemente para que a temperatura e a umidade fossem ideais para seus pães, e explicava a mim a importância desses dois elementos ao se assar um bom pão.
Ela, perfeccionista, dizia que o seu cuidado era em respeito às leveduras. Brincava me dizendo que toda a vez que colocava a massa para descansar, as leveduras trabalhariam por ela que, por sua vez, descansaria. “Pão é vida, minha neta!”. E também era, notoriamente, um dos motivos que deixava a minha avó tão viva.
Sua bisneta nasceu. Tentei ensinar a minha filha, com muita responsabilidade, tudo o que minha avó havia me ensinado. Minha filha, com nojo da elasticidade da massa, intrigada ao saber que as leveduras eram organismos vivos e com dor nos braços de tanto sovar as massas, de forma muito espontânea, me questionou: “Mãe, não é mais fácil comprar?”.
Naquele momento me senti frustrada em todos os sentidos, mas principalmente como mãe, não conseguindo despertar em minha filha toda a curiosidade que minha avó, com tanta sabedoria, me despertou. Tudo nela e na forma com que ela fazia seus pães era fascinante para a criança que fui. O tempo é outro! Mas, como se fosse hoje, o aroma dos pães de minha avó assombra as minhas narinas tão saudosas.
foto: Kids activities blog