Se eu fosse um tomate
Quando tinha nove anos, me lembro de ter lido o meu primeiro livro, que se chamava Se eu fosse um tomate. O primeiro livro de uma criança, só pelo fato de ser o primeiro, já é sempre muito especial, mas o meu era especial não apenas por ser o primeiro, mas por ser um livro que o protagonista era o tomate. Não me lembro de quase nada sobre a narrativa, só me recordo de que esse tomate era triste por ser um tomate.
Hoje, deitada em minha cama de barriga pra cima com os braços cruzados atrás da cabeça, depois do almoço, vendo o ventilador girar, girar, girar… me perguntei: e se eu fosse um tomate? Meu mundo parou e por alguns segundos o ventilador também. Não sei se seria triste, revoltado ou vaidoso. É um tanto quanto triste saber que minha existência nesse mundo seria tão breve e eu apodreceria em poucos dias, ficaria velho, molengo, perderia o brilho e mofaria. Que nojo de mim! Talvez seria revoltado por sofrer seções de tortura, nas quais as pessoas arrancassem minha pele, a frio ou me mergulhando em água fervendo, e arrancariam a minha polpa (o meu âmago). Seria talvez vaidoso, pois minha pele, se bem tratada, é brilhante, reluzente e sei que, modéstia à parte, tenho uma cor invejável, sou um dos poucos que posso ser usado verde ou maduro.
Acho que não aceitaria ser extrato ou molho, mas também não gostaria de ser figurante de um prato, ser mais um ingrediente da salada. Gostaria de ser suco ou ser sopa, mas tem que ser suco ou sopa só de mim. Agora, certamente o mais triste de ser um tomate é ser jogado naquelas sopas em que vão mais de mil e um legumes, saber que me colocarão na pressão e minha existência vai acabar enquanto o pino da pressão roda, shi… shii… shiii… e já não sou ninguém. Só de imaginar resquícios de minha pele boiando naquela sopa, uma evidente prova do crime que cometeram, uma sopa de que eu faço parte, mas não estou nela. Talvez gostasse da ideia de ser vinagrete, eu sozinho com mais uma senhorita cebola nadando no vinagre, que vidão!
Se eu fosse um tomate, não sei se preferiria ser chamado de fruta ou de legume, talvez me irritasse ser confundido, talvez ficasse vaidoso por ser tão único, versátil e inclassificável. Pode ser que eu fosse tímido por me quererem pelato. Talvez preferisse ser um daqueles tomates miniaturas, pois ninguém me cortaria, tiraria minha pele nem semente, gostaria de dar prazer para as pessoas que sentem a epifania de me terem explodindo em suas bocas, mas o triste de ser tomate pequeno é que eu nunca bastaria sozinho, as pessoas me comeriam junto a outros tantos iguais a mim. Talvez eu fosse mais alegre sendo um daqueles tomates “rei da selva”, daqueles gigantes que se bastam por si e que só eles já fazem uma refeição, seria um tomatão recheado, cederia o meu interior e abrigaria em mim tantos outros ingredientes. É, pensando bem, se eu fosse um tomate, eu seria feliz.