A chegada do verão no hemisfério norte é sempre um acontecimento muito celebrado. Para nós, brasileiros, que temos sol e calor quase o ano inteiro, é difícil de entender porque tanta comoção e felicidade dessa galera.
“Ai… mimimi, blábláblá… as quatro estações do ano em Paris são lindas!”. Pffff… Eu concordaria se aqui na França elas não fossem assim: a estação de muita chuva e vento frio, a estação da muita chuva e vento, a estação da greve do transporte público e neve e a estação do calor de um filho de uma rapariga.
Enfim, aqui chegou a estação do calor de um filho de uma rapariga. Tá quente, tipo muito quente, as pessoas estão semi-nuas e histéricas na rua, botaram areia ao redor do Rio Sena pro pessoal achar que está na praia e os escritórios encerram as atividades mais cedo, porque francês sabe viver a vida e para eles ninguém merece ficar trabalhando até o fim do expediente quando pode-se estar no parque fazendo pic-nic com queijo cammembert e presunto cru e uma garrafa inteira de vinho rosado.
Revendo os meus primeiros textos aqui no site, de quase 2 anos atrás (pode isso, Danielle?) vejo como a minha relação com a gastronomia mudou. Digo, continuo enchendo a pança “comme il faut” (como se deve), pois até o que é ruim aqui, é muito bom, mas principalmente, eu aprendi a deixar pra lá alguns tabus gastronômicos. A gente acha que francês é chique, mas são os brasileiros que estão muito cheios das frescuras gastronômicas.
Bom, passando ao que realmente interessa nessa vida (comida e birita), venho através desta apresentar para vocês umas das minhas paixões incontestáveis: a Breja de Cereja Belga. Ai nhénhénhé, é birita de menina. Mas seguinte: é bom. E melhor ainda: a gente bota gelo dentro.
Mas oi? Cuma? Gelo dentro da cerveja? Mais você não sabia que não se coloca gelo, fabricado com uma água de torneira de origem duvidosa, dentro de uma bebida pura e nobre e que foi fabricada somente com ingredientes super selecionados? Que erro primário, ignorante.
Aí vai rolar o olhar parisiense: eu baixo meus óculos escuros até metade do nariz (um nariz de degustadora nata, enorme), mordo o canto da boca e dou uma bufada de desprezo, dizendo o seguinte: nada disso importa, meu bem. Tá quente. Tá muito quente. Essa é a única estação que não venta aqui! Se quiser ir lá fabricar gelo de água Evian, fique à vontade. Pra mim, a vida é curta, e eu vou aproveitá-la aqui e agora. E bota mais gelo, por favor.
Continuando: a variedade de cervejas aqui na Europa (ham ham) é enorme, os rótulos são lindos e aquela promessa de começo de ano de “diminuir o consumo de álcool” ou “parar de beber álcool” durante um mês, 100 dias, sei lá o que, nunca dão certo pra mim. É muita tentação. Aliás a tentação é tanta, que as vezes eu até esqueço dos vinhos aqui. Ai, sacrilégio… mas não vai… não falem assim… Vamos beber cerveja hoje?
Pra quem estiver interessado na parte técnica dessa belezura: a cerveja de cereja belga é conhecida como Kriek (que significa “cereja” em neerlandês), tradicionalmente elaborada a partir da fermentação de uma certa variedade de cerejas (Morello), adicionadas à uma “lambic” (que é uma cerveja de base, ácida e seca e que será aromatizada com as cerejas mais tarde). Marcas mais populares estão utilizando outras variedades de cerejas mais fáceis de encontrar. No paladar, o resultado é geralmente ácido e seco (como a cerveja de base), mas alguns produtores já adicionam um pouco de açúcar para balancear essa acidez e, claro, abocanhar uma grande parte de consumidores de cerveja que preferem algo mais… digamos, fácil de apreciar. Geralmente o teor alcóolico fica em torno de 5% e a recomendação é sempre de servi-la gelada (de 2˚C a 3˚C)!!!
Para esta degustação eu escolhi uma marca popular e descomplicada, a Kriek da Lindemans, que encontro tanto em supermercados como em lojas de cerveja especializadas. Este é um dos produtores que não trabalha mais somente com cerejas da variedade Morello e que completa o blend com suco concentrado de cereja (após a segunda fermentação na garrafa). A cor é vermelha/rosada intensa e o sabor é bastante marcado (sem muita complexidade, tá?). O precinho (da França) fica em torno de 2,50 euros.
E como beber de estômago vazio faz mal, eu aconselho vocês a colocar a cerveja na geladeira, pré-aquecer o forno à 180˚C e fazer um brownie de chocolate amargo beeeeem gostoso. E antes de botar o brownie para assar, coloque uns pedacinhos de cerejas frescas por cima da massa… Fica uma delícia e simplesmente perfeito para acompanhar sua nova amiga de tardes ensolaradas (a cerveja de cereja, oras!).
Espero que gostem!