A tal da Gastronomia Molecular – Parte I
A tal da Gastronomia Molecular – uma imersão no passado e no presente da Cozinha de Vanguarda
Parte 1 – A Cozinha Tecnoemocional
Falar sobre Gastronomia Molecular é confuso. Tentei por muitos anos ensinar a disciplina: ministrei palestras, aulas, demonstrações; e dificilmente consegui colocar na cabeça das pessoas o que realmente era [sim, era!] a Gastronomia Molecular. Não sei se ouve uma lavagem cerebral por conta da mídia – que errou feio ao tentar informar o público sobre a GM – ou se todos se embasbacaram com as novas técnicas que surgiram.
Em novembro de 2013 eu tive a grata e surpresa felicidade de ser convidada para o 10° SLACA – Simpósio Latino Americano de Ciência dos Alimentos – lá na Unicamp; para palestrar sobre um assunto que levo – junto com minha carreira de confeiteira – no coração: A Ciência na Cozinha!
O tema da palestra era simples, e eu não tinha dúvidas do que iria falar, até….
[Pausa – aquelas que me levam para looonge, beeem longe.]
…
Até eu perceber que falar para engenheiros de alimentos sobre ciência não seria complicado, mas explicar para eles que a ciência dentro da cozinha não é complicada, não é catedrática nem bibliografada… Bom, isso iria ser.
Quando eu falo com as pessoas sobre o termo Gastronomia Molecular vejo que elas entendem de tudo que é complicado, de tudo que é difícil falar, ouvir e escrever – menos do que realmente a Gastronomia Molecular fala. Se entro no meio do discurso e digo: não, a COZINHA Molecular não existe. Ah meus amigos, é batata! “Ok, a Cozinha Tecnoemocional”. Bastam poucos segundos para um novo termo ser utilizado.
[Por que será que temos que ter rótulos para tudo? Divago…]
Esse termo ainda existe? Nem sei… preciso perguntar pro cara que criou – um tal de Pau Arenós.
Pau Arenós é um jornalista da revista espanhola Apicius que criou o termo Cozinha Tecnoemocional para tentar explicar que, de uma maneira que as pessoas entendessem, o que os cozinheiros espanhóis estavam criando nas cozinhas de maneira a influenciar o mundo, não tinha nada a ver com a Gastronomia Molecular de Hervè This.
As cozinhas não precisam na verdade de rótulos. Quantas cozinhas pelo mundo devem existir que desconhecemos? Ótimos cozinheiros espalhados em cada canto fazendo cozinhas de autor, criando suas essências e influenciando pequenas porções de pessoas. E então, porque precisamos nomear cozinhas? Minha única resposta: história.
Por isso Pau Arenós cunhou o termo: cozinha tecnoemocional. Facilita a compreensão e assim é muito mais fácil lidar com a dinâmica da história da cozinha. E ele não parou por ai – escreveu um livro – La Cocina de los Valientes, a fim de explicar claramente e de uma vez por todas o que é a cozinha contemporânea.
foto: Food and Travel
Mas você deve estar se perguntando: por que Tecnoemocional? Ou então a resposta já seja muito clara: TECNO+ EMOÇÃO = tecnologia a serviço da emoção.
A tecnologia sempre esteve presente na cozinha – garfos e colheres são materiais tecnológicos. O liquidificador, o processador. Fogão de indução, fornos combinados, Rotaval, Liofilizadoras, Encapsuladores, Gastrovac, Termomix… a história nos mostra!
As máquinas e suas técnicas. As máquinas e suas tecnologias.
Cozinheiros lidam com emoção. Quando saímos da premissa de que comemos para sobreviver e passamos a comer para comemorar, para satisfação, entramos na gastronomia emocional; onde chefs e confeiteiros dedicam suas vidas a criar pratos e sensações novas.
Nenhuma máquina tem sentido dentro da gastronomia sem o objetivo de gerar emoção. A revolução na cozinha não são as máquinas ou os pós, mas o sentimento. Esse sim é revolucionário!
Foi o sentimento de chefs inquietos que foram os propulsores da cozinha moderna que hoje vivemos. E não as máquinas que foram meros instrumentos – como facas, panelas e fogões – nas mãos de pessoas munidas de um sentimento que ainda hoje, poucos possuem.
A novidade do nosso século é a sensibilidade. Os utensílios estão a nosso serviço, a serviço dos nossos sentimentos e da nossa emoção. O que vale hoje é sentir, é se arrepiar e se derreter com um prato novo, de técnicas nunca antes vistas.
E foi por isso que o termo ganhou força e conseguiu categorizar chefs como Ferran Adriá, Rene Redzepi, Thierry Marx, Jacques Decoret, Grant Achatz, Wylie Dufresne, Carlo Cracco, Massimiliano Alajmo, Enrico Crippa, Paolo Lopriore, Seiji Yamamoto…, Joan Roca e tantos outros que passaram a criar uma cozinha sensível, com pratos que conseguiam estremecer nossos sentidos e aguçar nossa curiosidade.
Logo, a Cozinha Tecnoemocional, NÃO É Gastronomia Molecular. E nem é um tipo de cozinha. Ninguém se denomina cozinheiro tecnoemocional. O que vivemos é um movimento, um período a ser datado, lembrado e relembrando na linha histórica da gastronomia. Assim com foi a Nouvelle Cuisine!
Portanto, Cozinha Tecnoemocional é um movimento culinário mundial do princípio do séc XXI, cujo principal representante é o cozinheiro Ferran Adriá. É um movimento formado por chefs cujo objetivo é criar emoção através de seus pratos, e para isso utilizam novas tecnologias e técnicas, além de buscarem cientistas, artistas plásticos, poetas, jornalistas, historiadores, antropólogos e diversos profissionais afim de ajuda-los na busca pelo desconhecido.
O que é importante ressaltar é que esse movimento em hipótese alguma busca enfrentar, diminuir ou reavaliar a cozinha tradicional, pelo contrário, o movimento demonstra respeito pela tradição. São pratos evolutivos e não o contrário!
Com esse termo desmistificado resumidamente, podemos então agora conversar um pouco melhor sobre do que se trata a Gastronomia Molecular. Mas isso é conversa para um novo post!
Por isso, aguardo vocês em nossa próxima conversa!
Até!